A ficção é história, história humana, ou não é nada – Joseph Conrad
Com a sonora
abertura “Certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Samsa
encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”, Franz Kafka (1883-1924)
inicia sua novela A Metamorfose. No
texto é contada a história de Gregor Samsa, impelido a caixeiro viajante a fim
de sustentar irmã, mãe e pai após a falência desse último. O enredo centra-se
na transformação de Gregor e a relação que passa a estabelecer com sua família
e, por extensão, com a sociedade. O tom impessoal, escrito como se fosse um
relatório, ao invés de diminuir o estranhamento do leitor frente à insólita
situação serve apenas para evidenciá-la. A impossibilidade do exercício de suas
funções econômicas leva à marginalização de Gregor frente a sua família e ao
desenlace do livro.
Qual o
interesse em se ler Kafka? Kafka nos fornece um olhar sobre o mundo que
reconstrói seu lado mais absurdo, considerado pela maioria como tipicamente
“normal”. Em que pese o recurso ao fantástico, o assunto de Kafka é realista: o
mundo não é “mágico” (habitado por dragões ou fadas), mas sim se trata da
prosaica sociedade capitalista, a qual não admite aqueles que a ela não se
integram, que pune qualquer um que não incorpore os princípios do mercado (e
pune mesmo aqueles que o incorporam). É como se Kafka mostrasse até o limite o
que significa a desumanização a qual Gregor é conduzido pelas suas atividades.
Do ponto de
vista da filosofia, Kafka permite uma espécie de diagnóstico de época: seus
textos são uma antecipação de um momento histórico no qual as relações
autenticamente humanas são substituídas pela utilidade econômica – o valor de
cada pessoa passa a ser medido pelo dinheiro e mesmo a família, âmbito primário
de socialização do indivíduo, sofre essa influência decisiva.
Kafka, judeu,
nascido na Boêmia (República Tcheca), escreveu em alemão e teve contatos com
círculos anarquistas que de algum modo o influenciaram. Kafka narrou o absurdo
de um mundo que nos foi legado; transforma-lo, eis nossa tarefa.
*Publicado no Jornal Paulo Medeiros, jornal vinculado ao grêmio estudantil da
Escola Paulo Medeiros.
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