segunda-feira, 29 de julho de 2013

O Mundo de Gregor Samsa*



A ficção é história, história humana, ou não é nada – Joseph Conrad

Com a sonora abertura “Certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”, Franz Kafka (1883-1924) inicia sua novela A Metamorfose. No texto é contada a história de Gregor Samsa, impelido a caixeiro viajante a fim de sustentar irmã, mãe e pai após a falência desse último. O enredo centra-se na transformação de Gregor e a relação que passa a estabelecer com sua família e, por extensão, com a sociedade. O tom impessoal, escrito como se fosse um relatório, ao invés de diminuir o estranhamento do leitor frente à insólita situação serve apenas para evidenciá-la. A impossibilidade do exercício de suas funções econômicas leva à marginalização de Gregor frente a sua família e ao desenlace do livro.
Qual o interesse em se ler Kafka? Kafka nos fornece um olhar sobre o mundo que reconstrói seu lado mais absurdo, considerado pela maioria como tipicamente “normal”. Em que pese o recurso ao fantástico, o assunto de Kafka é realista: o mundo não é “mágico” (habitado por dragões ou fadas), mas sim se trata da prosaica sociedade capitalista, a qual não admite aqueles que a ela não se integram, que pune qualquer um que não incorpore os princípios do mercado (e pune mesmo aqueles que o incorporam). É como se Kafka mostrasse até o limite o que significa a desumanização a qual Gregor é conduzido pelas suas atividades.
Do ponto de vista da filosofia, Kafka permite uma espécie de diagnóstico de época: seus textos são uma antecipação de um momento histórico no qual as relações autenticamente humanas são substituídas pela utilidade econômica – o valor de cada pessoa passa a ser medido pelo dinheiro e mesmo a família, âmbito primário de socialização do indivíduo, sofre essa influência decisiva.
Kafka, judeu, nascido na Boêmia (República Tcheca), escreveu em alemão e teve contatos com círculos anarquistas que de algum modo o influenciaram. Kafka narrou o absurdo de um mundo que nos foi legado; transforma-lo, eis nossa tarefa.


*Publicado no Jornal Paulo Medeiros, jornal vinculado ao grêmio estudantil da Escola Paulo Medeiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário